segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O valor da educação frente ao trabalho infantil

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio incluem em suas metas para 2015 o ensino primário universal no mundo todo. Com este propósito, os Estados são convocados a melhorar a educação tanto em termos quantitativos como qualitativos. Não obstante, alcançar esta meta é insuficiente, sendo preciso agregar maior valor à escola para assegurar a retenção escolar e a prevenção ao trabalho infantil. Leia e participe da discussão sobre essa temática no Fórum. Leia e participe da discussão sobre essa temática no Fórum.
O segundo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio concerne a consecução do ensino primário universal e estabelece como meta para 2015 que todas as crianças terminem o ciclo completo de ensino primário. Não obstante, desde o movimento Educação para Todos, considera-se necessário sermos mais ambiciosos, ampliando a educação obrigatória em mais dois ou três anos (primeiros anos de educação secundária), para assegurarmos,  por um lado, que a finalização da educação obrigatória coincida com a idade mínima de admissão ao emprego e por outro, que a população jovem tenha as competências básicas necessárias à futura conquista de trabalho decente.
A obrigação dos Estados de garantir uma educação primária universal e gratuita deve concretizar-se em uma cobertura educacional suficiente, mas também em uma educação de qualidade. Desta forma, a educação, em termos de quantidade e qualidade, significa um número adequado de professores e aulas, a formação contínua destes, a eliminação dos gastos de matrícula, a redução dos custos de materiais e livros escolares, e transferências condicionadas a necessidades familiares, entre outras ações.
No caso de crianças que trabalham, ações como a promoção da educação informal como medida transitória e a formação profissional para a transição da educação ao trabalho lograram notáveis êxitos em remover crianças do trabalho infantil e em prevenir sua exclusão do sistema educacional.
Portanto, o desafio para os Estados é que todas as crianças sejam escolarizadas, mas também que permaneçam no sistema educacional até completarem a educação obrigatória ou mesmo até que adquiram as competências básicas para sua futura incorporação laboral. Assim, a permanência da criança depende em grande parte da cobertura e qualidade anteriormente mencionadas, mas também do valor que se dá, no âmbito local, à educação, é dizer, o valor que a comunidade educacional (crianças, corpo docente, mães e pais, e governo local por meio das autoridades competentes em educação) outorga à escola.
Assim, por meio deste texto, pretende-se gerar uma reflexão sobre elementos-chave a fim de agregar maior valor à escola aos olhos das crianças em situação de risco de trabalhar (ou já trabalhadoras), de suas famílias e do resto da comunidade educacional. Definitivamente, trata-se de refletir como fazer da escola a melhor e mais atraente opçõa para as crianças, suas famílias e os demais agentes que intervêm na educação.
Abaixo, assinalamos alguns destes elementos-chave e citamos exemplos ilustrativos de sua aplicação prática:
  • Adaptação ao contexto. A escola deve partir do conhecimento, da experiência e da realidade de cada criança. Portanto, é imprescindível a adaptação do currículo e do calendário escolar às necesidades das crianças e de seu entorno. Este elemento tem especial importância no caso das escolas rurais, visto que, segundo os dados do último Informativo Global para o acompanhamento da Declaração da OIT (2010), o maior número de crianças trabalhadoras concentra-se no setor agrícola, onde a maior parte trabalha com suas famílias, sem qualquer remuneração; por exemplo, os “cuartos” na safra da cana-de-açúcar na Bolívia.
A adaptação da escola rural deve processar-se partindo dos conhecimentos daqueles que intervêm. Como exemplo, temos a experiência do Colégio de Professores do Chile que, em colaboração com a OIT, por meio do programa IPEC, capacitou professores rurais para realizar um diagnóstico sobre o trabalho infantil nas zonas onde trabalham, estruturar estratégias de prevenção e erradicação do trabalho infantil e, finalmente, intervir para prevenir e eliminar o trabalho infantil.
  • A criança é o protagonista da educação. Dado que a criança é o protagonista principal e o melhor conhecedor da vida escolar, deve-se considerar sua participação na escola, tanto na aula, com o uso de metodologias participativas superando outras de caráter tradicional, como no próprio funcionamento da escola. O corpo discente deve ser informado, consultado, e sua opinão deve ser ouvida. No máximo nível de participação, o corpo discente deve formar parte da tomada de decisões de todos os temas que o afetem.
Um exemplo de participação escolar é a organização de municípios escolares no Peru, um organismo (formado por prefeito(a) e seu conselho diretor) que representa os estudantes de um centro educacional (primário e secundário), escolhidos por voto secreto e universal.
  • Participação de toda a comunidade educacional. A comunidade educacional deve sentir-se parte do projeto educacional da escola e propiciar um entorno educacional que integre todas as ações e opções de educação (formal, não formal e informal) que ocorrem no bairro/distrito/município e que permitam que as crianças desenvolvam e pratiquem os conhecimentos e habilidades adquiridos.
A associação internacional de Cidades Educadoras é um bom exemplo disso. Este movimento, que se iniciou em 1990, promove a Carta de Cidades Educadoras e conta com mais de 400 cidades-membro em todo o mundo.
  • A integração das novas tecnologias nas aulas. O surgimento das novas tecnologias e a configuração da sociedade do conhecimento tornou necessário repensar a educação, dado que ela se modificou, não somente no que tange ao que se aprende, mas também à forma como se produz este aprendizado. As novas tecnologias passaram a ser vistas como parte integral do ensino, ou seja, uma ferramenta para o aprendizado das disciplinas e não uma simples disciplina a mais.
Neste contexto, a alfabetização digital é necessária para que as crianças adquiram habilidades em informática, que hoje constituem uma competência básica adicional. Contudo, também é necessária a alfabetização audiovisual, para que a criança desenvolva a capacidade de discernimento ante o excesso de informação, tornando-se capaz de fazer uma leitura crítica das mensagens.
O Programa Educared da Fundação Telefónica dispõe de um portal de recursos para que o corpo docente tire partido das novas tecnologias na atividade docente e constitue um bom exemplo da integração das novas tecnologias à educação.
  • A escola, um espaço aberto ao seu entorno. O temor à “rua”, a desconfiança com relação ao outro, o conflito entre famílias e os centros escolares, entre outros aspectos, propiciou o isolamento da escola em relação a seu entorno. Uma escola aberta a seu entorno não somente melhora a qualidade do ensino, como também melhora o bairro, constrói cidadania e aumenta o prestígio social da escola.
As iniciativas de aprender servindo constituem um bom exemplo da escola como espaço aberto. Trata-se de uma proposta que mescla o voluntariado e o aprendizado; tem por objetivo que se aprenda trabalhando com as necessidades reais do entorno. A Fundação Esplai (Espanha) conta com um programa dessa natureza, denominado “Conecta Joven”, no qual jovens de institutos (centros de educação secundária) aprendem e aprimoram suas habilidades em informática, para posteriormente ensinar as pessoas mais idosas do bairro.
Estes são alguns elementos capazes de agregar maior valor e prestigio à escola aos olhos dos diversos atores sociales. Vários desses elementos apontam para a participação social na construção de uma escola melhor, mais alinhada com os interesses e necessidades de seus protagonistas e do contexto.
Contar com uma educação obrigatória, universal e primária não é condição suficiente para reter as crianças durante todo o ciclo primário e durante os primeiros anos de educação secundária e assim prevenir o trabalho infantil. É imprescindível que a partir do âmbito local, isto é, a partir da comunidade educacional, a escola seja valorizada como uma opção melhor do que o trabalho infantil.

 
BIBLIOGRAFIA

  • AA. VV. (1999). “Participando que es gerundio”. Pautas educativas para trabajar la participación infantil. Ed. Consejo de la Juventud de España. Madri.
  • AA.VV. (2010). “Reinventando el PENIA”. Taller de Soluciones Creativas a la Política de Infancia. Ed. Plataforma de Infancia. Madri.
  • Batlle, Roser. “Aprender haciendo un servicio a la comunidad”(on-line). Em: http://roserbatlle.wordpress.com/aprendizaje-servicio/Consultado em 30 de julho de 2010.
  • Gutiérrez Martín, A. (2007). “Políticas tecnológicas para la sociedad del conocimiento”. Revista Iberoamericana de Educación, nº 45 (141-156). Ed. Organización de Estados Iberoamericanos.
  • Naciones Unidas. (2010). Objetivos de desarrollo del Milenio. Ed. Naciones Unidas. Nova York.
  • Oficina Internacional del Trabajo. (2010). Intensificar la lucha contra el trabajo infantil: Informe global con arreglo al seguimiento de la Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo 2010. Ed. OIT. Genebra.
  • Trilla, J. y Novella, A. (2001). “Educación y participación social de la infancia”. Revista Iberoamericana de Educación, nº 26 (137-164). Ed. Organización de Estados Iberoamericanos.

Por Ubetânia Monteiro

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